A importância de deixar ir embora.

31/08/2018 | Psicologia em Foco

Psicologia em Foco/A importância de deixar ir embora.

Parece que fomos muito bem educados em relação às chegadas: o namorado novo, o emprego tão sonhado, aquele amigo de longe que veio nos visitar, a oportunidade ansiosamente esperada para realizar aquilo que só a gente sabe o quanto queria. Mas, e as partidas? Aquele relacionamento que já não vai tão bem; o emprego enfadonho que nos cansa, mesmo nos dias de pouca produção; o “amigo” que há muito tornou-se colega, de tamanha falta de sintonia. Quando é que a gente deve se despedir daquilo que não nos arrepia mais?

Mantenho uma reflexão na contramão da era do excesso da “positividade”. O consultório clínico e a filosofia (por vezes, áspera) me mostram, com provas cabais, que a vida não é esse american dream, e que ser positivo não precisa ter relação com ser ingênuo. Pois, sim! É muita ingenuidade acreditar que todo mundo vive nessa plena felicidade que os Stories do Instagram insistem em fantasiar. Ser positivo não tem a ver com estar satisfeito o tempo todo! Na verdade, clinicamente falando, ser positivo é inclusive segurar a onda em tempos de adversidade. É não sucumbir com os fins. É entender que, apesar dos pesares, a vida só se abre para novos começos se a gente viver as transformações das dolorosas partidas.

Deixar ir embora está no campo de uma sabedoria que a era da hyperattention (hiperatenção) não facilita muito de ser experimentada. Tal como vem batendo na tecla o filósofo koreano Byung-Chul Han (o nome é difícil, mas a leitura é menos), ou nos dispomos a uma vida menos acelerada e mais apaziguada com os limites, ou entraremos na estatística crescente dos diagnosticados com a Síndrome de Burn Out. Em Sociedade do Cansaço, o escritor considera que justamente porque vivemos em um mundo muito pobre de interrupções e intermédios, é que também temos perdido um pouco do sentido. E, o que mais é uma partida além de uma interrupção, uma pausa? Histericamente, pode-se ver os fins como meros fins. Entretanto, para quem consegue avançar para além das coisas como elas parecem ser, saber dizer adeus pode ser o início de outro belo começo.

Dessa forma, avaliar os ciclos, entender que “aquela fruta não dá mais caldo”, aceitar os limites das estações da vida é uma forma mais saudável de lidar com o que nos acontece, ao invés de ficar espremendo a vida e tentando “tirar o leite da pedra”. Há aqueles que vão dizer que a intenção é superar os limites! Pois bem. Em épocas de recordes batidos excessivamente e de pódios disputados a tapas (ou a dopings), reconhecer um limite pode ser a nossa maior vitória.

 

*Nilmar Silva é psicólogo (CRP 04/47630), filósofo, professor e especialista em educação. Faz atendimentos clínicos em seu consultório, escreve para a coluna ‘Psicologia em Foco’, da Rádio Santana FM, e é o Coordenador da Comissão de Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual, do Conselho Regional de Psicologia, subsede Centro Oeste.

 

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